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29 de abr. de 2011

Filme: Dogville (2003), de Lars Von Trier


Dogville é um daqueles filmes que prendem a atenção do espectador justamente pelo roteiro envolvente – e também pela genialidade de Lars Von Trier.

Gravado praticamente sem cenário, os elementos cênicos são, na maior parte do tempo, somente linhas pintadas no chão. Embora não sejam visíveis, entrentanto, esses elementos existem para os personagens. Sempre que uma porta é aberta escuta-se o rangido das dobradiças. Quando uma pessoa está dentro de casa, embora ela seja demarcada somente pelas linhas, as “paredes” não permitem que quem está de fora consiga enxergar o que está acontecendo lá dentro.

Ambientado no meio oeste dos Estados Unidos, nos anos 30, o filme conta a história de Grace (Nicole Kidman) que chega à cidade de Dogville supostamente fugindo de gansgters e precisa passar pela aprovação dos seus quinze habitantes – que inicialmente a recebem com certa hostilidade – para saber se poderá se esconder no vilarejo.

Ajudada por Tom (Paul Bettany) – uma espécie de consciência coletiva da cidade –, que sugere que a estranha passe a prestar pequenos serviços aos habitantes, Grace aos popucos ganha a confiança do povoado e ao fim de duas semanas recebe permissão para viver com eles. Sem uma estrutura formal, sem prefeitura ou órgãos públicos, a cidadela, em um primeiro momento, parece ser acolhedora e seus cidadãos parecem serem gentis e bondosos.

E realmente, nos primeiros capítulos da história, o diretor se dedica a construir a personalidade de cada um dos seus personagens nesse sentido.

No entanto, bem ao seu estilo, Lars Von Trier começa a dissecar todos os cidadão de Dogville, que aparentemente já tinham as personalidades conhecidas por nós, e apresenta o que há de mais cruel e perverso no ser humano. Ele retira o manto de valores morais e dos princípios que cada um dos habitantes vestia no começo do filme e Grace passa a conhecer o lado mais obscuro de cada um deles.

A condescendência da cidade começa a ficar cada vez mais cara para a protagonista. O que antes eram pequenos serviços dispensáveis, passam a se tornar tarefas obrigatórias. Grace passa a ser escravizada por Dogville e o espectador passa a ficar indignado, angustiado e até mesmo enojado com as situações que se seguem.

Ao final, sente-se ligeiramente aliviado. Como se a justiça tivesse sido feito. Contudo, o filme ainda demora para ser digerido por completo. O telespectador vai ser pego questionando seus próprios valores e os valores da nossa siciedade. Valores que depois do filme, começam a parecer ainda mais hipócritas.

Dogville acaba por ser um convite à reflexão sobre os bons modos e o que se diz ser justo e correto. Porque a cidadezinha de Lars Von Trier nada mais é que um reflexo da nossa própria sociedade.

Pauta: Roteiristas

Hoje, os atores são o que há de mais importante e bem pago em Hollywood. Eles são produzidos em massa e logo se tornam estrelas, seres maiores que eles mesmo, admirados e adorados no mundo inteiro. Deuses. E a indústria cinematográfica é movida nesse sentido e com esse propósito.

No entanto, não são os atores que criam os filmes ou escrevem suas falas. Não são os atores (salvo raras exceções) que são perigosos. Atores tem a “simples” função de dar vida a um personagem.

São os diretores e, sobretudo, os roteiristas os principais responsáveis pela qualidade de um filme. O roteiro é essencial. É o começo e o fim de toda produção. Sem ele o filme não teria como sequer pensar em existir.

São os roteiristas os responsáveis pela criação da trama, pela produção do conteúdo. São os roteiristas quem moldam a personalidade de cada personagem. São eles quem elaboram as falas e definem os rumos da história. É a partir dos diálogos que eles escrevem que o filme ganha um teor cômico ou dramático; feliz ou cruel. Em suma, eles são a essência do filme.

Não estou dizendo com isso que a escolha dos atores não tenha importância. É impossível hoje se pensar em O Poderoso Chefão sem lembrar da figura carrancuda e a fala arrastada de Marlon Brando, no papel de Don Vitto Corleone. Ou então imaginar o que seria de Jack Sparrow, em Piratas do Caribe, se tivesse sido interpretado por qualquer outro ator que não Jonnhy Depp.

Alguns atores tem sim o poder de imortalizar personagens.

O que estou criticando aqui é a supervalorização dos atores por Hollywood, de forma que todos os outros elementos do filme (o roteiro entre eles) são construídos no sentido de endeusá-los. O que estou criticando é essa valorização da estética em detrimento do conteúdo e, portanto, a desvalorização dos responsáveis pelo conteúdo e verdadeiros artistas dos filmes, os roteiristas.

As grandes obras cinematográficas não são memoráveis por ter um show de efeitos especiais ou rostinhos bonitos na tela. Elas são memoráveis pois tiveram histórias cativantes e diálogos marcantes. São memoráveis pois tiveram bons roteiros.

Então porque os roteiristas não são valorizados? Porque eles, diferentemente dos atores, podem apresentar um perigo à lógica comportada de Hollywood. Eles tem o poder de escrever histórias subversivas. Histórias que incomodam. E incomodam muitas vezes gente que não deveria ser incomodada.

E, mesmo assim, algumas das mais geniais personalidades do cinema, como Quentin Tarantino e Stanley Kubrick, são, além de diretores, roteiristas, e seus filmes são tão originais e criativos justamente por serem subversivos. Por não seguirem padrões estéticos pré-fabricados.

28 de abr. de 2011

Pauta: Suicídio - Filme: Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet

Em menos de um mês dois suicídios na mídia. Um badaladíssimo, censurado, com direito à carta de despedida e, até mesmo, tweet de despedida. A outra vítima, sem confete e sem direito a capa, é filha de um poetinha vagabundo. Há uma norma ética no jornalismo que confronta a idéia de se publicar notícias sobre suicídio. Esse tipo de informação é evitada pelos meios, pois suicídio é decisão única e exclusivamente pessoal. Há, também, aquela teoria fundamentada nas conseqüências causadas pelo livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, cujo suicídio do protagonista resultou, após leitura da obra, no suicídio de outros jovens na Alemanha durante o século XVII. Uma mente com tendências suicídas seria influenciada a colocar um ponto final em sua vida.

Badalar o suicídio, explorar a tristeza da família, divulgar à carta derradeira e procurar teorias para o ato tem tomado conta dos periódicos. E não é só quando se trata de uma celebridade. Vide o caso do assassino de Realengo, cujos grandes portais da internet se transformaram no primeiro vídeo-blog in memóriam já feito. Mostraram tanto sobre o tal - fotos, vídeos, textos - que suas idéias desconexas angariou seguidores. O sensacionalismo criou pequenos monstrinhos. O assassino de Realengo apareceu, pra alguns, como um líder. Um líder que combateu o “bullyng”. Basta ver aqui
Rede de Intrigas (1976), de Sidney Lumet
Por falar em in memoriam: Sidney Lumet, falecido há duas semanas.

Howard Bale, o profeta pós-Watergate

Li que muitos consideram Sidney Lumet, junto com Woody Allen, o cineasta que melhor filmou Nova York. Costumava mostrar o lado podre da cidade, o tal submundo. Mas, o filme em questão não se trata de Nova York. E sim, em como se tornar uma celebridade messiânica. Rede de Intrigas nos apresenta a um correto apresentador de telejornal, Howard Bale, que ao saber de sua demissão do programa, por conta do baixo indíce de audiência, tem um colapso nervoso ao vivo e anuncia que irá se suicidar. Ahn? Alguém ouviu o que ele disse? Ele disse que vai estourar os seus miolos? Tá no script do programa? O que fazer agora? Demissão? Como pode um discurso desse entrar nos lares americanos?
Na contramão de toda a bancada que pedia a cabeça do apresentador, uma voraz editora em busca do espetacular. Sim, a personagem de Faye Dunaway, quer chocar os espectadores. Não importa como. O que importa é o índice de audiência lá em cima e para que não haja traço, a idéia é explorar ao máximo a loucura do jornalista. Nada de informação precisa. O sensacionalismo suprime a informação. É a vitória do sensacionalismo. É a vitória da decadência moral da sociedade americana. Acostumados a assistir corpos putrefatos de seus “filhos” no Vietnã, agora, os lares, não tão doces assim, assistem às visões proféticas de um maluco. “Eu não agüento mais essa loucura” é o brado que se torna hit parade número um da moçada. Em tempos de Watergate, Vietnã e outras podridões, nada como um doido gritando, caindo no chão, erguendo as mãos aos céus e profetizando, para a sociedade americana adotar como novo herói da pátria.  
Bale vira sucesso. Ganha um programa próprio, cheio de outros novos oráculos. O mercado de previsão do futuro inflacionou. Nunca a América profetizou tanto. Suas frases e visões não incomodaram a nova direção da emissora. Muito pelo contrário. Os bambambãs - leia-se Robert Duvall, interpretando alguém tão ganancioso quanto Dunway - continuaram explorando a audiência através do colapso de Bale. Por trás dos bastidores, há embates éticos e morais que nos fazem entender em como a imprensa chegou ao que é hoje.  A figura da editora Diana (Faye) simboliza o que tende a se chamar de “Imprensa marrom”. O princípio básico de maquiável é a bússola orientadora da loira.
O sucesso de Bale, assim como qualquer outro tipo de sucesso, é sempre acompanhado da teoria gravitacional newtonniana, de que tudo que sobe, desce. A queda da audiência do programa, ocasionada por uma série de fatores, dentre eles os conflitos de interesse no próprio canal, derruba não só os índices do ibope. O final da obra de Lumet é a síntese de tudo o que aconteceu no filme. É como se fosse matéria de jornal, daqueles que se você espremer sai sangue. Através das últimas cenas  você entenderá como, onde, quando e por quê o sensacionalismo na mídia está ligado a uma rede de interesses. E é inevitável não lembrar de Malcolm X (Filme biográfico sobre o líder negro e dirigido por Spike Lee), ao final de Rede de Intrigas.

26 de abr. de 2011

O Diabo a quatro (1934) e a "nova" Escolinha

Leio a seguinte notícia: “Record define elenco para nova Escolinha do Barulho; saibam quem são os 23 atores”. Oras, mais uma Escolinha? Não bastaram todas as 32323 cópias realizadas já na TV brasileira? Mais um humorístico com o nome de Escolinha levanta duas questões: se trata de um programa que agrada ao público ou é um programa que serve de escada para antigos astros e, infelizmente, catapulta a nova geração do humor?  A última reedição da Escolinha, feita pela Band, não emplacou. Tão rápido surgiu, desapareceu. Será mesmo que o público gosta?
Já imagino o elenco classe A dessa escolinha: uma gostosona que usará uma mini roupa para compensar o mini cérebro, um professor que será interpretado por alguma celebridade que está em baixa e quer ressurgir, alguma outra gostosona fazendo sei lá o que, algum personagem que terá a função didática de explicar a história para o público de casa, em meio à gracinhas. Ao final desse post, creio que Geyse Arruda já terá ganho um papel na Escolinha. Ela mesmo que surgiu para o Brasil por suas peripécias na “Faculdadezinha”.
Sem improviso, datado e com aqueles rostinhos já conhecidos (aposto, que o velhinho com cara de Chaplin e cabelo espetado será um dos personagens) a nova Escolinha não terá nada para ensinar. Não passa de uma sala de aula cheia de repetentes.  
PS: Geyse Arruda foi confirmada no elenco. Sua personagem? Oras, ela mesma. Bravo!

Diabo a quatro (1934), dos Irmãos Marx
Sim, eis um filme sem propósito algum, a não ser tirar uma com a sua cara, que ensina bem mais do que uma Escolinha, Praça ou Zorra. Nem precisava ter ido tão lá trás, mas é que em se tratando de comédia, não tem como não lembrar dos Irmãos Marx. Sem trocadilhos, mas se querem dar uma aula de humor, então aprendam, nobres produtores da Record, pois, o  filme ensina. Se for pego rolando no chão de rir, meus parabéns, vocês atingiram a nota máxima. E não vale as risadas gravadas no estúdio.

Groucho Marx na pele de Groucho Marx

Uma sucessão de esquetes sem pé nem cabeça. É esse o filme. Precursores da comédia pastelão, o Monty Phyton bebeu muito dessa fonte. Não se atente para a história de um país fictício, Freedonia, que enfrente problemas financeiros e, por isso, nomeia ninguém menos do que Groucho Marx como presidente.


O filme começa e não para de acelerar. Há uma cena de um musical no meio/fim que é simplesmente surreal. Brilhante. Há ainda a gênese daquela cena do espelho copiada inúmeras vezes por tantas produções seguintes. E fica ainda melhor quando se descobre que a fita foi proibida na Itália – a figura de Groucho Marx irritou Mussolini. Além disso, a população de Fredonia, no interior de Nova Iorque, protestou pela adição da letra “e” (Freedonia) e uso indevido do nome da cidade. A tirada ao povo já está inclusa no repertório de frases dos irmãos “Mudem o nome da cidade de vocês, está prejudicando o nosso filme”.
Lembro de ter assistido a um filme dos irmãos Marx quando tinha uns 5, 6 anos. Adorava os trejeitos, as atuações, as brincadeiras de Harpo, ora com Chico ou azucrinando algum coadjuvante. Até pela idade, aquilo era o que mais me agradava. Mas, não tem o que questionar. Quem brilha na tela é Groucho. Com tiradas sensacionais, diálogos pra lá de ácidos é a figura que mais fascina seja nesse ou em qualquer outro filme dos irmãos.
Groucho, com seu bigode pintado e seu andar de galinha, está impossível.  É, com certeza, o mais cínico dos comediantes e um dos maiores autores de frases de efeito do cinema. Neste filme elas aparecem aos borbotões. “Estou cansado de notícias do fronte, traga-me notícias dos lados”, “Inteligência militar é uma contradição em termos”, “Ele pode parecer um idiota e até agir como um idiota, mas não se deixe enganar: ele é mesmo um idiota”, até mesmo sua lápide não escapou “Perdoe-me por não levantar”.
Quer um bom motivo para expurgar os demônios caquéticos que ainda assombram a tv e desopilar os teus ouvidos daquela velha baboseira cheia de bordões manjados? Assista Diabo a Quatro o quanto antes.

25 de abr. de 2011

Glória Feita de Sangue (1957), de Stanley Kubrick

Desde o título até a última cena, esta guerra kubrickiniana nos coloca no meio de fogo amigo. A primeira grande obra do diretor inglês é cortante. É triste. É revoltante. E tudo vai tão rápido, sem freios, que custa mesmo acreditar no desfecho. É menos agressivo e escancarado do que Nascido para matar seu filme feito no final dos anos 80, mas o poder dilacerante igual. Mesmo sem cor (filmado em preto e branco), sem as caras e bocas e as humilhações, Glória deixa um gosto amargo. Não tem nada de glória ali. E não é só!

Se em Nascidos... Kubrick nos mostra um pelotão, prestes a embarcar ao Vietnã, em treinamento sádico, regido por um coronel inescrupuloso, em Glória feita de Sangue assistimos os bastidores de um pelotão francês durante a Primeira Guerra Mundial, com a dura missão de tentar o impossível. Conquistar um território alemão sob forte e pesada artilharia. O fracasso da operação, previamente advertido, é posto na conta da tropa, comandada pelo Coronel Dax (Kirk Douglas), que teria recuado diante da ofensiva inimiga. A opção encontrada pelo Genereal Mireau, que ordenou o ataque suicída, é justificar o fracasso através da covardia de seus homens.
Levados à Corte Marcial para julgamento, sob acusação de insubordinação, três homens, escolhidos para servirem de exemplo ao pelotão, recebem a sua sentença: o paredão de fuzilamento. Ao assistir toda a cena do julgamento fica evidente que se trata de um jogo de cartas marcadas, cuja moral, a subserviência e a patente falam mais alto do que a própria vida. Para o alto comando do exército é mais fácil creditar o fracasso na lomba dos homens que recuaram em nome da vida e da insanidade do plano. Aonde já de viu desafiar uma ordem de um general em plena Guerra? "Missão dada, parceiro, é missão cumprida" já dizia um famoso bordão brasileiro e naquela época, não cumprir uma ordem singnificava a vala.

Em cada take, em cada segundo de apreensão não é possível imaginar que o destino de três homens tomaria o mesmo rumo. A esperança por uma interferência divina ou, o mais próximo de acontecer, interferência de um mortal, como o Coronel Dax, único que luta para tentar mudar a sentença da Corte Marcial, é aguardada mesmo após o brado oficial do carrasco “preparar, apontar, fogo”.

Ao final do filme, tome o tempo que for para digerir toda a história, reveja tal cena para entender e se certificar de que aquilo tudo realmente aconteceu. Garanto, sensações tão prosaicas como a raiva, indignação, justiça (nos dias de hoje seria vingança) ou outra vão lhe possuir. Sendo assim, o filme cumpre o seu papel, pois há quem diga que o cinema tem como objetivo te transformar e botar a cabeça pra pensar. Se é mesmo assim, esta película consegue, sem menor esforço, desativar o piloto automático em que se encontra o seu cérebro. Fluí de maneira bem simples, tão simples quanto puxar um gatilho e meter uma bala na cabeça. Glória Feita de Sangue é isso, uma bala na cabeça.